quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Novo etanol sairá do solo amazônico


Por: Liana John
Fonte: planetasustentavel.abril.com.br/blog
Não, ninguém está advogando a substituição de florestas por canaviais. O assunto aqui é etanol de segunda geração e o que virá do solo amazônico para as usinas são microrganismos capazes de digerir a parte mais ‘dura’ das plantas, ou seja, celulose, hemicelulose e lignina. Assim, uma gama bem mais ampla de plantas poderá ser transformada em etanol, aumentando asustentabilidade da matriz energética, sobretudo no setor de transportes.
A pesquisa já está em andamento na Embrapa Agroenergia, unidade localizada em Brasília e criada há apenas 5 anos (2006). Lá, a bióloga Betânia Ferraz Quirino, com doutorado e pós-doutorado em Biologia Molecular pelaUniversidade de Wisconsin (EUA) é responsável pela busca dos microrganismos mais eficientes para a difícil missão. “Na serapilheira da Floresta Amazônica há muitas folhas, que são degradadas e recicladas por bactérias,fungos e diversos outros microrganismos. Ou seja, ali, há milhões de anos, a natureza já está fazendo a seleção que presumivelmente nos interessa para uma aplicação industrial”, diz a pesquisadora.
A celulose é o principal constituinte das paredes celulares das plantas. É um polímero ‘imenso’ para os padrões celulares, porém composto somente deglicose, que é o que interessa na produção de etanol. As hemiceluloses também são polímeros, de composições variadas, que se intercalam na celulose e têm a função de garantir a elasticidade. Já as moléculas de lignina conferem rigidez, impermeabilidade e resistência ao conjunto.
As três juntas são “praticamente um cristal”, compara Betânia Quirino. “E nosso principal problema é despolimerizar esse ‘cristal’ para liberar a glicose e conseguir o substrato do qual obteremos o etanol de segunda geração”. Uma das vantagens desse etanol sobre o de primeira geração é o fato de ser produzido a partir de qualquer planta – como capim, cascas de arroz, palha de milho ou outrosresíduos agrícolas – e não apenas a partir de cana-de-açúcar.
O processo todo tem fases biológicas, térmicas e químicas. Bactérias,leveduras e outros microrganismos não dão conta de tudo, mas têm uma participação crucial na quebra do trio ‘duro de digerir’ (celulose, hemicelulose e lignina). E isso elas fazem com enzimas, sendo que cada espécie de microorganismo produz enzimas muito específicas para determinadas funções e com exigências muito especiais de temperatura, acidez, presença ou não de oxigênio e outros quesitos.
Em lugar de testar bactéria por bactéria das amostras de solo amazônico até encontrar aquela que produz as enzimas certas, a pesquisadora da Embrapa Agroenergia recorre a um atalho tecnológico conhecido como Metagenômica. Ela faz, digamos, um ‘caldo’ de DNA das dezenas de espécies de bactérias presentes em cada amostra de solo e testa o conjunto em ensaios funcionais. “Trabalho em parceria com engenheiros químicos e eles me trazem as demandas, como enzimas que resistam a altas temperaturas ou a ambientes com baixo pH”, explica. “O que orienta nossa busca é a expressão de cada enzima e não a identidade da bactéria”.
Uma vez identificadas as enzimas eficientes para executar as tarefas necessárias, elas são clonadas e multiplicadas, de modo a viabilizar o uso industrial. “Já temos um portfólio de enzimas para atender às exigências do processo de produção do etanol de segunda geração. Mas ainda precisamos fazer dessas enzimas um insumo, combinando-as com enzimas de fungos, num ‘coquetel’ capaz de funcionar a contento e a um preço competitivo”, acrescenta Betânia. Segundo ela, isso vai ajudar também a reduzir os químicos, contribuindo, mais uma vez, para a sustentabilidade
de todo o processo.
A pesquisa metagenômica conta com recursos da própria Embrapa, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF). A mestranda Ohana Costa faz parte da equipe de Betânia na Embrapa e ela ainda trabalha em parceria com especialistas da Universidade de Brasília, como a bióloga molecular Eliane Noronha e o microbiologista Ricardo Kruger, e da Universidade Católica de Brasília, como a microbiologista Cristine Barreto e a doutoranda Jéssica Bergmann.
Com tanta gente high tech de olho nos produtos do solo amazônico, a receita do caldo de enzimas promete ser das mais digestivas!

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