Por: Liana John
Fonte: planeta sustentável.abril.com.br/blog
Pergunte a um operador de
turbinas hidrelétricas o que ele acha dos aguapés e provavelmente a resposta será –
#*&*#! – impublicável. Faça a mesma pergunta a um encarregado de uma estação de tratamento de água e a resposta seguirá no mesmo calão.
Eles têm lá suas razões: algumas
espécies de aguapés, como o super comum Eichhornia
crassipes, podem se multiplicar rapidamente, tanto por meios
vegetativos, como por frutos e sementes abundantes. Então infestamreservatórios,
canais de irrigação, rios de fluxo lento e lagoas. Em
alguns casos, chegam a cobrir por completo a superfície e roubam a luz das
algas que oxigenam a água, causando a redução do oxigênio dissolvido e a morte
dos seres aquáticos que dele dependem.
Em pouco tempo, o excesso dessas
plantas também acidifica a água, devido à concentração de matéria orgânica em
decomposição. A acidez é fatal para asturbinas e outros equipamentos utilizados pelo
homem, daí o praguejar dos operadores, reforçado pelo fato de os aguapés também
entupirem canos, dutos e outras passagens.
Mas aguapés também têm seus
defensores. Pelo fato de absorverem poluentes inorgânicos, como metais pesados,
e orgânicos, como os presentes nos esgotos domésticos, eles são usados na filtragem de corpos d’água poluídos. O processo
é simples: basta deixar os aguapés se multiplicarem e aos poucos eles absorvem
e retêm os poluentes. Aí é só retirar os aguapés da água e… fazer o quê com
aquela montanha de plantas em decomposição, embebidas em poluentes?!
O engenheiro químico José
Dilcio Rocha, pesquisador da Embrapa
Agroenergia tem
uma excelente alternativa: transformar tudo em bio-óleo.
Expert em bioenergia, ele
trabalha com isso desde 1998 e já foi pesquisador visitante ou consultor em
diversas instituições, como a Universidade de Strathclyde,
em Glasgow, na Escócia; o National Renewable Energy Lab,
no Colorado, EUA, e o Centro Nacional de Referência em Biomassa, Cenbio,
em São Paulo. E considera o aguapé uma das boas fontes de biomassa disponíveis para produção de bio-óleo.
As outras são serragem, resíduos da produção comercial de eucaliptos, resíduos
agrícolas e lodo de estações de tratamento de esgotos.
O bio-oléo pode ser produzido a
partir de um desses resíduos ou da mistura deles. E os aguapés eventualmente
utilizados não precisam ser de uma espécie só ou apenas de reservatórios
poluídos: José Dilcio também participou de um grupo multinstitucional –Embrapa,
Universidade Estadual de Campinas-Unicampe
a empresa Bioware – que avaliou a viabilidade de
produção do bio-óleo a partir das ilhas flutuantes de aguapés que descem pelos
rios do PantanalMatogrossense
durante as cheias, conhecidos por lá como camalotes.
“O
aguapé é uma fonte de biomassa genuinamente brasileira e faz parte de um grupo
de materiais que ninguém quer, mas tem vários aproveitamentos”, pondera José
Dilcio. “Esses materiais podem e devem ser usados para alimentar processos
industriais ‘flex’ (numa referência aos automóveis que funcionam com dois tipos
de combustível)”.
Segundo o especialista, os
resíduos são degradados termicamente em um reator até virarem vapor, depois
condensado para a obtenção do óleo. Esse processo chama-se pirólise e pode ser realizado em instalações
relativamente simples. Isso viabiliza a montagem de reatores onde quer que
estejam as montanhas de resíduos, dispensando o transporte da matéria-prima até
uma instalação industrial.
Em
geral, a temperatura do reator fica entre 450 e 550 graus centígrados, o que é
considerada uma temperatura moderada em instalações industriais.
“Podemos obter, ao mesmo tempo, energia e um combustível sintético renovável.
O gás produzido no processo pode realimentar o próprio reator e o bio-óleo
serve para diversos processos industriais, substituindo derivados de petróleo”,
acrescenta José Dilcio. No caso do aguapé, 60% da matéria-prima vira bio-óleo e
sobra de 25 a 30% como um pó de carvão. Que também tem utilidade, diga-se de
passagem, como condicionante de solo para retenção de água ou para a fabricação
de fertilizantes de lenta liberação. O restante vira vapor, sem emissões de
gases-estufa, sem queima de combustíveis fósseis.
Não sei, não, mas se a indústria
apostasse no bio-óleo de aguapé (e outros resíduos) como o setor de transportes
aposta no etanol de cana-de-açúcar, o Brasil seria até capaz de fazer bonito
nas penosas negociações sobre Mudanças Climáticas…
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